image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 15, n. 00, e022005, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1145 1
DO ENCONTRO À PESQUISA: O PERCURSO DE UM PROCESSO VIVIDO POR
TRÊS PESQUISADORAS
DEL ENCUENTRO A LA INVESTIGACIÓN: LA TRAYECTORIA DE UN PROCESO
VIVIDO POR TRES INVESTIGADORAS
FROM MEETING TO RESEARCH: THE PATH OF A PROCESS LIVED BY THREE
RESEARCHERS
Cândice Moura LORENZONI
1
Luciana Martins Teixeira LINDNER
2
Andrisa Kemel ZANELLA
3
RESUMO
: Este artigo é a materialização pulsante de um processo de amadurecimento
investigativo entre três pesquisadoras de diferentes instituições de ensino superior do Brasil
que, a partir de um projeto interinstitucional, vêm consolidando uma parceria de estudos e
pesquisa que adentra e investe no campo da formação de professores. A união das metodologias
de suas teses é o fio condutor para a construção de uma proposta metodológica de ação a ser
desenvolvida com estudantes da graduação. A identificação de três elementos potentes nas
metodologias - o jogo, o corpo biográfico e a narrativa -, constitui a fundamentação teórica
desta escrita que, a partir do encontro (QUINTÁS, 2006), instaurou um campo de pesquisa,
presentificando o vivido. Os encaminhamentos do tempo presente visibilizam o caminho
percorrido e os avanços que foram acontecendo nesse trajeto.
PALAVRAS-CHAVE
: Proposta metodológica de ação. Formação de professores. Encontro.
RESUMEN
: Este artículo es la materialización pulsante de un proceso de madurez
investigativo entre tres investigadoras de diferentes instituciones de enseñanza superior del
Brasil que, a partir de un proyecto interinstitucional, viene consolidando una camaradería de
estudios e investigación que adentra e invierte en el campo de formación de profesores. La
unión de las metodologías de sus tesis es el hilo conductor para la construcción de una
propuesta metodológica de acción a ser desarrollada con estudiantes de la graduación. La
identificación de tres elementos potentes en las metodologías - el juego, el cuerpo biográfico y
la narrativa - constituye la fundamentación teórica de esta escritura que, a partir del encuentro
(QUINTÁS, 2006), instauró un campo de investigación, presentificando lo vivido. Los
encaminamientos del tiempo presente visibilizan el camino recorrido y los avances que fueron
sucediendo en este trayecto.
1
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria
–
RS
–
Brasil. Professora Adjunta do Departamento
de Artes Cênicas do Centro de Artes e Letras. Doutorado em Educação (PPGE/UFSM). ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-4558-0435. E-mail: candicelorenzoni@yahoo.com.br
2
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Bagé
–
RS
–
Brasil. Professora Adjunta do curso de Matemática.
Doutorado em Educação (PPGE/UFPel). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8979-3021. E-mail:
lucianateixeira@unipampa.edu.br
3
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Pelotas
–
RS
–
Brasil. Professora Adjunta dos cursos de Dança
Licenciatura e Teatro Licenciatura do Centro de Artes. Doutorado em Educação (PPGE/UFPel). ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-9769-9679. E-mail: andrisa.kemel@ufpel.edu.br
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 15, n. 00, e022005, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1145 2
PALABRAS CLAVE
: Propuesta metodológica de acción. Formación de profesores.
Encuentro.
ABSTRACT
:
This article is the pulsating materialization of an investigative maturation
process between three researchers from different higher education institutions in southern
Brazil, who, from an inter-institutional project, have been consolidating a partnership of
studies and research that enters and invests in the field of education of teachers. The union of
the methodologies of their theses is the common thread for the construction of a methodological
proposal of action to be developed with undergraduate students. The identification of three
powerful elements in the methodologies - the game, the biographical body and the narrative -
constitutes the theoretical foundation of this writing which, from the meeting (QUINTÁS, 2006),
established a field of research, making the lived experience present. The referrals of the present
time make visible the path taken and the advances that have been taking place along this path.
KEYWORDS
: Methodological proposal for action. Teacher training. Meeting.
Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar os caminhos percorridos por três
pesquisadoras de diferentes instituições de ensino superior que, a partir de um projeto de
pesquisa interinstitucional, vêm construindo uma proposta metodológica de ação para a
formação de professores. Para tanto, uniram as metodologias realizadas em suas teses de
doutorado, apresentadas a seguir.
Uma das teses enfocou a interpretação do gesto como tradução do imaginário nas
escrituras do Corpo Biográfico. Realizada com quatro acadêmicas do Curso de Pedagogia que,
através de seis encontros, exercitaram a biografização corporal pela improvisação teatral. Ou
seja, a dimensão biográfica do corpo foi acessada por um trabalho que partiu de uma prática
corporal do área teatral.
A outra tese trabalhou sobre a premissa de que a interlocução entre a arte e a docência
de artistas professores constitui uma poética de ser professor. Para isso, a pesquisa contou com
dois artistas professores de Ensino Superior, um do teatro e outro do cinema. Foi criado um
jogo com imagens e palavras que possibilitaram, como procedimento metodológico,
desdobramentos que permitiram aproximações com as significações imaginárias dos
colaboradores, fazendo com que o jogo se tornasse fundamental para a criação e
desenvolvimento da tese.
Por fim, a terceira tese foi realizada com quatro professores de Matemática. Partiu da
ideia de que o início da docência vem de imaginários em que emergem elementos simbólicos
propulsores nesse momento de vida profissional e, por consequência, com uma singularidade
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 15, n. 00, e022005, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1145 3
presente no processo docente, conectada ao imaginário coletivo. O procedimento metodológico
foi realizado por meio de diferentes narrativas, perpassando do individual ao coletivo.
Dito isso, o processo de pesquisa teve início no VIII Congresso Internacional de
Pesquisa (Auto)Biográfica
–
CIPA, uma vez que as pesquisadoras trazem um histórico
formativo desenvolvido em dois grupos de pesquisa, parceiros que vêm trabalhando
colaborativamente com as vertentes teóricas do Imaginário e das Pesquisas (Auto)Biográficas.
O encontro no CIPA despertou o desejo de trabalhar reflexões, reverberações das teses, projetos
e aspirações, o que provocou uma ressignificação no pensar e nas ações das professoras-
pesquisadoras.
Esse desejo, repleto de espontaneidade, é fruto de um trabalho que vem sendo
desenvolvido ao longo de vinte anos pelos dois grupos de pesquisa, qual seja: a afinidade teórica
aliada à cooperação, transparência e ética desses grupos. Essa forma de proceder dos grupos
levou as professoras-pesquisadoras a permanecerem em consonância, dialogando, estudando e
refletindo, sem perder de vista a memória epistemológica fecunda vivenciada.
Entende-se que o processo de pesquisa se desdobra tanto de dentro para fora, como de
fora para dentro, em uma dinamicidade entre idas e vindas que se estabelecem com a realidade
de cada professora-pesquisadora, integrando seus mundos interiores, suas leituras e suas
práticas artísticas docentes. Nessa perspectiva, há uma relação de parceria entre si,
comprometida com o caminhar, delineando um itinerário formativo.
Nesse sentido, é possível pensar metaforicamente a pesquisa como a criação de uma
obra de arte, em que o processo se inicia a partir de uma ideia, que vai ganhando concretude
pela imaginação que inventa, mistura, cria, produz. Tal perspectiva encontra-se com o que
Silva, Oliveira e Amaral (2012, p. 131), trazem na citação abaixo:
Pesquisar é como pintar um quadro à mão no que antes foi uma tela branca.
Quando vamos pintar, assim como quando vamos pesquisar algo, temos
apenas uma ideia inicial, convidamos alguns autores para nos acompanhar e
escolhemos algumas das cores que utilizaremos. A tela branca está ali, inicial,
pura, e cabe ao pintor/pesquisador preenchê-la com tons, ideias,
sobreposições, misturas e conversas. Chega um ponto em que as cores iniciais,
assim como as obras que escolhemos primeiramente, já não são suficientes;
precisamos de novos ares, caminhar mais, inovar no desenho; então vamos
atrás de mais cores, mais situações, mais leituras. Sentimos prazer ao ver a
coisa tomando forma; mudamos um pouco; observamos a necessidade de
alguns retoques. Como é bom pesquisar. Quão gratificante é ver nossa pintura
quase pronta. O melhor da pintura é a mistura, assim como na pesquisa,
quando já não sabemos mais identificar onde ela começa, onde está o
pesquisador, quais tons de cores têm os colaboradores e qual é a textura da
teoria utilizada. Tudo vira uma obra só, homogênea, harmônica. Assim, a tela
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 15, n. 00, e022005, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1145 4
brilha, vai à exposição, mas jamais é concluída. Fica para sempre disponível
à livre-interpretação de quem se interessar pelo tema.
Assim, este artigo foi pensado como uma criação que, tracejando cores e formas, num
esboço inicial, foi colocando em movimento todo o processo de pesquisa e ganhou tonalidades
no decorrer do percurso vivido. Os encontros permitiram que essa pintura ganhasse novas cores,
a partir de um jogo de relações perpassadas por momentos de estudo, reflexão e discussão de
conceitos que, como tintas misturadas, foram pouco a pouco repercutindo no fazer docente das
professoras pesquisadoras.
O artigo estrutura-se a partir do encontro que leva à pesquisa, os elementos oriundos
das teses, que configuram a fundamentação teórica desta escrita e, por fim, os encaminhamentos
do tempo presente.
Do encontro à pesquisa
Como foi mencionado, o encontro no VIII CIPA, em São Paulo, foi o momento
charneira (JOSSO, 2004), que originou uma pesquisa registrada em três instituições de ensino.
O estudo presentifica o encontro das professoras-pesquisadoras, perpetuando o legado de seus
grupos de pesquisa.
Cabe ressaltar que o conceito de encontro está ancorado em Alfonso López Quintás
(1993), que o remete à forma relacional que se instaura em um campo de jogo de como o ser
humano se encontra. A proposta pedagógica desse autor entende que o desenvolvimento
humano acontece por meio da criatividade e, como tal, vê o homem como um Ser de Encontro,
conceituando todos os pressupostos, para que acesse sua criatividade na vida do trabalho e na
vida pessoal.
Segundo Quintás (2006), o pensamento criativo torna o ser humano capaz de alcançar
algo valioso, de fazer novas descobertas, sendo isto fundamental para o desenvolvimento
humano e profissional do indivíduo. Para ele, a formação humana se realiza através do encontro,
“formar
-se significa entrar no jogo da criatividade, da criação de vínculos fecundos com as
realidades do meio ambiente que são capazes de suscitar e co-
realizar encontros” (QUINTÁS,
1993, p. 14).
O fenômeno da presença é integrado através do encontro, o que não significa ser
sinônimo de imediatez, mas de um modo peculiar e relevante de unidade. Para esse autor,
encontrar-se significa estar perto, mas a uma certa distância, porque perto demais pode tornar-
se uma fusão que anula os processos e acontecimentos criadores que integram dois ou mais
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 15, n. 00, e022005, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1145 5
centros de iniciativa. Assim, o encontro é entendido como um campo de jogo que, por si, é
gerador de sentido.
As reuniões semanais e, por vezes quinzenais, efetivaram o encontro tornando-se um
dispositivo grupal (OLIVEIRA, 2011), nesse processo, uma vez que a vontade de partilhar
saberes e fazeres vividos na formação de professores emergiu espontaneamente entre as
professoras-pesquisadoras. Souto (1999), considera o dispositivo como agente nos processos
de aprendizagem, que pensa sobre a formação e age no intuito de transformar e provocar outras
formas e se presta, como mediador, contribuindo como possível articulador de um
desenvolvimento pessoal.
O encontro foi a força motriz que resultou na elaboração do projeto alicerçado no campo
teórico do Imaginário (DURAND, 2002; CASTORIADIS, 1982). O Imaginário, na perspectiva
de Durand (2002), insere-se como um campo teórico potencializador para abordar o ser humano
e a teia simbólica que o constitui. O Imaginário encontra-se, essencialmente, como o primeiro
substrato da vida mental, enraizado em um sujeito complexo não redutível a suas percepções.
Desenvolve-se em torno de imagens dentro de uma lógica, de uma estruturação, sofrendo as
influências e intimações do meio no qual está inserido, sendo o imaginário, portanto, um mundo
de representações.
Já Castoriadis (1982), volta-se para a ideia de que as sociedades humanas possuem uma
concepção do social e do histórico radicada na ideia da criação e recriação de formas de
organização da sociedade e de sua criação cultural. O homem, como ser histórico e social, age
no mundo histórico, o mundo do fazer humano. Para o autor, o ser humano é constituído pelos
atravessamentos de seu imaginário. Este imaginário é social, e se traduz como um bojo de
significações.
Significações que são imaginárias. Elas são imaginárias porque: “não são nem
racionais (não podem ser ‘construídas logicamente’) nem reais (não podem ser derivadas das
coisas), não correspondem a ‘ideias racionais’, e tampouco a objetos naturais”
(CASTORIADIS, 1982, p. 66).
Essas significações, que toda a sociedade possui, lidam com emaranhados de
significados que se referem a dimensões da ordem do simbólico, que é o elemento que abre
espaço para que o imaginário se manifeste. Estão relacionadas com a criação - criação
imbricada na imaginação -, que, neste contexto, não é imaginação individual, mas o que o autor
chama de imaginário social.
Em relação à metodologia, o estudo desenvolvido pelas professoras-pesquisadoras tem
como base a Pesquisa-Formação (JOSSO, 2004), trazendo o viés experimental para a cena com
o intuito de construir uma proposta metodológica de ação para a formação de professores, como
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 15, n. 00, e022005, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1145 6
já mencionado anteriormente. A perspectiva da pesquisa-formação investe em um processo
voltado para um “caminhar para si” (
JOSSO, 2010a), que acontece no decorrer da formação em
conexão com a própria trajetória de vida do sujeito nesse mundo. Cada etapa é “uma experiência
a ser elaborada para que quem nela estiver empenhado possa participar de uma reflexão teórica
sobre a formação e os processos por meio dos quais ela se dá a conhecer” (JOSSO, 2004, p.
113).
Conforme os meses foram transcorrendo e as discussões avançando, percebeu-se que as
metodologias das teses já repercutiam na prática docente, modificando os modos de cada
professora-pesquisadora trabalhar no contexto da formação de professores. A dimensão
biográfica do corpo passou a ser mobilizada, a partir de um trabalho que considerou o saber
corporal como elemento fundante no processo formativo; o jogo passou a ser utilizado como
metodologia, para a discussão sobre docência, e constituir-se professor; e a narrativa, como
exercício para a construção do projeto de vida.
Aconteceu, também, a apropriação das metodologias das teses com a mobilização entre
os fazeres de cada uma. Com isso, surgiu um movimento importante de analisar, sintetizar,
refletir e integrar as metodologias, identificando três elementos potentes: o jogo, o corpo
biográfico e a narrativa, os quais entendemos como reservatório/motor
4
(MACHADO DA
SILVA, 2006), para a construção da proposta metodológica de ação.
O jogo e as narrativas de formação
Que relações são possíveis traçar ao deparar-se com a palavra jogo? Talvez, antes de
aludir a um elemento presente na definição de encontro de Quintás (1993), mencionado acima,
seja possível reconhecer pelo menos duas conexões comuns: uma que se refere ao que é lúdico,
diversão e, outra, a algo que está regido por regras.
No contexto da elaboração da tese, que trata das relações da arte e da docência, a palavra
em questão foi protagonista à medida que a metodologia foi movimentada, a partir da criação
de um jogo proposto aos colaboradores da pesquisa, com o intuito disparador das narrativas de
formação. Memórias e narrativas da pesquisadora e de dois artistas professores, um de teatro e
outro de cinema, foram mobilizadas por um conjunto de palavras e imagens que foram tecendo
composições, a partir das indicações numéricas de um dado de seis faces. Sendo assim, grande
4
Para Machado da Silva (2006, p. 11-12) o conceito de resevatório/motor associa-se a ideia de reservatório como
um conjunto de “imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado, leituras
da vida e, através de um mecanismo individual, grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de
aspirar ao estar no mundo” e, motor, “força que impulsiona indivíduos ou grupos” à ação.
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 15, n. 00, e022005, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1145 7