image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 1
A EDUCAÇÃO POPULAR NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: O
PROTAGONISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
LA EDUCACIÓN POPULAR EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR BRASILEÑA: EL
PROTAGONISMO DE LA UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
POPULAR EDUCATION IN BRAZILIAN HIGHER EDUCATION: THE
PROTAGONISM OF THE UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
Rui Anderson Costa MONTEIRO
1
RESUMO
:
O projeto de universidade no Brasil estruturou-se numa perspectiva excludente e
de bastante elitização. A educação popular surgiu na tentativa de colaborar para mudanças dos
contextos de discriminação e injustiças sociais praticadas socialmente, buscando a coexistência
da pluralidade de ideias e culturas, além da igualdade de oportunidades na educação. Os
movimentos da educação popular transcenderam a alfabetização de adultos e ascenderam ao
ensino superior. Este ensaio, fundado na análise documental e na revisão da literatura de cunho
freiriano, se deu no âmbito do Observatório da Universidade Popular no Brasil do PPGE da
Universidade Nove de Julho com foco nos estudos das matrizes institucionais das universidades
criadas no início do século XXI no Brasil. O objetivo consistiu na reflexão do projeto da
Universidade Federal da Fronteira Sul enquanto instituição pública, gratuita e popular,
considerando seu potencial de materialização das concepções de Paulo Freire no cenário do
ensino superior brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE
: Ensino Superior. Educação popular. Paulo Freire. Universidade
Federal da Fronteira Sul.
RESUMEN
:
El proyecto universitario en Brasil se estructuró en una perspectiva excluyente y
de grande elitización. La educación popular surgió en un intento de colaborar para cambiar
los contextos de discriminación e injusticia social practicados socialmente, buscando la
convivencia de la pluralidad de ideas y culturas, además de la igualdad de oportunidades en
la educación. Los movimientos de educación popular trascendieron la alfabetización de
adultos y ascendieron a la educación superior. Este ensayo, basado en un análisis documental
y una revisión de la literatura freireana, se realizó en el ámbito del Observatorio de la
Universidad Popular en Brasil del PPGE de la Universidade Nove de Julho, centrándose en
los estudios de las matrices institucionales de las universidades creadas a principios del siglo
XXI en Brasil. El objetivo fue reflexionar sobre el proyecto de la Universidade Federal da
Fronteira Sul como institución pública, gratuita y popular, considerando su potencial para
materializar las concepciones de Paulo Freire en el escenario de la educación superior
brasileña.
1
Universidade Nove de Julho (UNINOVE), São Paulo
–
SP
–
Brasil. Docente. Doutorado em Educação
(UNINOVE). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1410-6706. E-mail: profruianderson@gmail.com
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 2
PALABRAS CLAVE
: Enseñanza Superior. Educación popular. Paulo Freire. Universidade
Federal da Fronteira Sul
.
ABSTRACT
:
The university project in Brazil was structured in an excluding and highly elitist
perspective. Popular education emerged in an attempt to collaborate to change the contexts of
discrimination and social injustices practiced socially, seeking the coexistence of the plurality
of ideas and cultures, in addition to equal opportunities in education. Popular education
movements transcended adult literacy and ascended to higher education. This essay, based on
documental analysis and a review of the Freirean literature, took place within the scope of the
Observatory of the Popular University in Brazil of the PPGE of the Universidade Nove de
Julho, focusing on the studies of the institutional matrices of the universities created in the
beginning of the 21st century in the Brazil. The objective was to reflect on the project of the
Universidade Federal da Fronteira Sul as a public, free and popular institution, considering
its potential to materialize Paulo Freire's conceptions in the Brazilian higher education
scenario.
KEYWORDS
: University Education. Popular education. Paulo Freire. Universidade Federal
da Fronteira Sul.
Introdução
Este trabalho se apresenta como um ensaio acadêmico amparado na revisão da literatura
que engloba os pressupostos freirianos e na análise documental sobre a criação e a estrutura da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Essa instituição de ensino superior (IES) se
tornou o referencial de modelo universitário contra-hegemônico ao inserir em seu Projeto
Político Pedagógico as categorias e dimensões da educação popular que, inicialmente, foram
desenvolvidas no interior do país como instrumento de combate ao analfabetismo, mas, em sua
essência, também serviu para fundamentar a luta em prol do acesso e da permanência no ensino
superior brasileiro.
Essa revisão e a respectiva análise se deram no âmbito do OBEDUC-Uninove (projeto
de pesquisa intitulado “Observatório da Universidade Popular no Brasil”) aprovado pela
CAPES e desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove
de Julho (PPGE-Uninove), o qual tinha como objeto de estudo as matrizes institucionais e a
estrutura organizacional das recentes universidades criadas no início do século XXI no Brasil,
propondo diferenciação em relação aos modelos tradicionais de educação superior que
historicamente influíram na organização do setor no país: napoleônico, humboldtiano e
estadunidense.
A literatura acadêmica sobre a trajetória histórica de construção da universidade
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 3
brasileira parece unânime em afirmar que, diante da heterogeneidade sociocultural do nosso
país e dos desequilíbrios sociais apresentados, ela se firmou numa perspectiva de um ideário
excludente, dado seu objetivo fundamental de formar nossas elites intelectuais em áreas de
conhecimento tradicionalmente de prestígio econômico e político no processo de urbanização
e industrialização, em tese, os cursos de Direito, Medicina e Engenharia.
Desde a instalação das primeiras universidades em solo brasileiro, no início do século
XX, com notável atraso em relação aos países de colonização espanhola, a organização
acadêmica denominada universidade vinculou-se mais estreitamente à proposta de formar
profissionais à base da meritocracia, reproduzindo a hierarquização posta no interior da própria
sociedade, e de responder aos desafios do desenvolvimento econômico. Em meio à incipiente
estruturação da educação básica, a universidade se tornou um campo de extrema exclusão e
elitização.
Esse cenário ficou latente e se reafirmou ao longo de todo o século passado,
principalmente a partir da década de 1990, em que vimos o Estado diminuir paulatinamente sua
participação nas políticas de bem-estar social. Isso abriu caminho ao neoliberalismo por meio
de privatização de serviços e de empresas públicas em função dos interesses dos mercados
internacionais demarcados pelo processo da globalização contemporânea na passagem do
século XX ao XXI, atingindo diretamente o sistema educacional brasileiro com políticas em
favor da proliferação das instituições de ensino superior (IES) privadas e sensível estagnação
das universidades públicas.
A redemocratização política iniciada nos anos de 1980, mesmo alargando o campo dos
direitos sociais e visando a proteção da cidadania do arbítrio dos poderosos, contribuiu para
referendar valores culturais e sociais hegemônicos como o comportamento de consumo no
estilo europeu e norte-americano, o individualismo, a competitividade exacerbada, entre outros,
de forma a colaborar para a desconsideração da cultura nacional.
A difusão da concepção de educação popular de Paulo Freire e de suas respectivas
práticas pedagógicas, fomentadas no Brasil e difundidas internacionalmente, tiveram
importante papel na valorização da diversidade cultural, da cultura popular e da história dos
indivíduos. Amparada no senso de justiça, surgiu com a reivindicação política de
universalização da escolarização, propondo que as camadas mais pobres, isto é, a massa
subalternizada, tivesse igual acesso e fosse igualmente ouvida.
Essa concepção e suas práticas romperam limites e o discurso da educação popular de
Paulo Freire, desenvolvido no interior do Brasil aos adultos pobres e analfabetos, elevou-se aos
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 4
outros níveis de ensino, fundamentando a luta e os princípios do ensino superior em uma
proposta de um novo modelo institucional universitário brasileiro: a Universidade Federal da
Fronteira Sul.
A Educação popular
A condução da educação no geral e, em especial, no Brasil, sempre se vinculou aos
pequenos grupos dominantes detentores do poder econômico, da força política, do controle do
conhecimento e das ferramentas de acesso e difusão da informação, gerando um padrão
sociocultural definido como cultura hegemônica e com referência histórica ocidental europeia.
No processo de colonização, o modo de pensar e os padrões comportamentais ocidentocêntricos
ignoravam, e até mesmo destruíam, qualquer coisa fora do contexto do homem branco, europeu
e cristão, ao qual se agregou a perspectiva ideológica dos Estados Unidos, especialmente após
a Segunda Guerra Mundial.
Tal processo gerou um perfil cultural dominante e elitizado, fortemente difundido a
partir do século XVIII com a Revolução Industrial, e as estruturas escolares passaram a ter a
finalidade e o compromisso com o desenvolvimento da economia industrial, objetivando a
formação dos cidadãos de acordo com as necessidades da produção e do consumo. Esse modelo
educacional existente tornou-se restrito àqueles pertencentes à elite, mesmo com a massificação
da escola primária propagada a partir do século XIX.
Na contramão dessa lógica, a educação popular passou a advogar em favor não só dos
desfavorecidos economicamente, mas também das pessoas portadoras com deficiências, das
mulheres subjugadas ao longo do tempo, dos negros vitimados pela escravidão e pelo
preconceito racial, dos indígenas que perderam suas terras e referências culturais, enfim, dos
oprimidos cuja condição de pobreza material e suposta inferioridade cultural (na visão
hegemônica) não lhes trouxeram as mesmas oportunidades sociais, econômicas e políticas.
No pequeno domínio de teorias e trabalhos que pensamos haver inventado
entre 60 e 64 e a que anos mais tarde demos o nome de educação popular,
surgiu e por algum tempo floresceu um tipo relativamente inovador de prática
pedagógica. Ela recriou para sua identidade e uso um sentido novo para um
nome antigo: cultura popular. Envolveu pessoas como Paulo Freire e seus
primeiros companheiros nordestinos de trabalho e difundiu-se entre diferentes
categorias de sujeitos sociais: o estudantado secundarista e universitário,
intelectuais militantes cristãos, artistas eruditos e populares, dirigentes de
agremiações e de partidos políticos (BRANDÃO, 1986, p. 14).
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 5
A concepção de Paulo Freire sobre educação, assim como dos educadores populares dos
anos 50 em diante, critica fortemente o modelo de ensino implantado pela estrutura social e
cultural gerada no capitalismo. A pedagogia praticada nos sistemas escolares nesse contexto
levou à constituição da escola tradicional burguesa, num formato hierarquizado de educação
em que o controle e o poder estão centrados no professor e nas estruturas de autoridade escolar,
sendo o aluno mero expectador. Somado a isso, o sistema escolar se apresentou excludente e
inacessível à boa parcela da população.
A palavra “popular” tende a ser utilizada para expressar aquilo relacionado aos
desprovidos de condições básicas (tanto materiais quanto intelectuais) para uma vida digna em
favor do exercício de sua cidadania, mas, na atualidade, tem transcendido a outras categorias
conhecidas como “minorias”. Paulo Freire definiu esses segmentos como oprimidos e postulou
uma educação (e uma escola) para o povo, do povo e a partir dele.
A educação popular é uma concepção prático-teórica e também uma metodologia de
educação voltada a articular os diferentes saberes e práticas, as dimensões culturais e os direitos
humanos, o compromisso com o diálogo e o protagonismo das classes populares nas
transformações sociais.
Antes mesmo de inserir-se em espaços institucionais, consolidou-se
como um instrumento das lutas populares no Brasil, no campo e na cidade.
O documento-guia preparado pela Secretaria Nacional de Articulação Social (BRASIL,
2014) conceitua educação popular como um conjunto de formulações teóricas e práticas
pedagógicas destinadas à percepção crítica e política do contexto social onde o indivíduo e/ou
comunidade estão inseridos, com foco na transformação dessa realidade e na emancipação dos
sujeitos que a vivem. A fundamentação dessas práticas é a busca de justiça social, a afirmação
de direitos humanos e o estabelecimento da igualdade e da inclusão.
A educação popular surge na tentativa de alterar o quadro histórico de discriminação,
injustiças sociais e exclusões praticadas socialmente e mantidas pelos poderes econômicos e
culturais, de maneira a coexistirem a pluralidade de ideias e o diálogo entre as culturas, num
ambiente no qual as pessoas se socializem de maneira horizontal (igualdade) e o processo de
ensino e aprendizagem ocorra de forma crítica, refletida e participativa, e não da imposição.
O que determinará a definição de educação popular não será a idade do aluno, mas a
opção e a prática políticas assumidas na práxis educativa (FREIRE, 1983). Na concepção de
educação popular, o centro desse movimento é o aluno, porém, não significa a desconsideração
ao professor; pelo contrário, ele é peça importante na mediação do ensino-aprendizagem.
No desenvolvimento dessas práticas, os assuntos permeiam a realidade do aluno,
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 6
valorizam as diferenças, as culturas, as relações de gênero e étnico-raciais, as questões
econômicas e os fundamentos políticos envolvidos na própria dinâmica pedagógica. O processo
educacional coerente deve instrumentalizar o estudante na leitura do mundo, antes mesmo de
ler a palavra (FREIRE, 1989), compreendendo-se de que educação se refere a um
desenvolvimento eminentemente político (FREIRE, 1997).
A proposta da educação popular é de gerar o diálogo e abrir-se às demandas da
comunidade por meio de debates dialogados e democráticos. Ela volta seu olhar à intervenção
do sistema de ensino no fomento ao pensamento crítico individual e coletivo, buscando o
resgate básico do princípio do exercício da cidadania. Isso significa dizer que os efeitos da
educação popular não se restringem ao indivíduo, mas se apresentam nas estruturas sociais,
principalmente porque irão influenciar os próprios órgãos gerenciais da educação.
Sem perder seus princípios, a educação popular vem se reinventando hoje,
incorporando as conquistas das novas tecnologias, retomando velhos temas e
incorporando outros: o tema das migrações, da diversidade, o lúdico, a
sustentabilidade, a interdisciplinaridade, a intertransculturalidade, a questão
de gênero, idade, etnia, sexualidade, desenvolvimento local, emprego e
renda... mantendo-se sempre fiel à leitura do mundo das novas conjunturas.
(GADOTTI, 2012, p. 22).
Diante da difícil realidade e peculiaridades brasileiras, e porque não dizer no mundo
inteiro, não é de se estranhar a expansão geográfica da concepção de educação popular,
influenciando os currículos da educação básica e dos cursos de nível superior de modo a fazer
o aluno crescer e se desenvolver criticamente, tornando-se um profissional/trabalhador ciente
de seus valores, seus direitos e suas responsabilidades sociais.
A educação popular, como prática educacional e como teoria pedagógica,
pode ser encontrada em todos os continentes, manifestada em concepções e
práticas muito diferentes e até antagônicas. Como concepção geral de
educação, ela passou por diversos momentos epistemológicos e organizativos,
desde a busca da conscientização, nos anos 1950 e 1960, e a defesa de uma
escola pública popular e comunitária, nos anos 1970 e 1980, até a escola
cidadã, nos últimos anos, em um mosaico de interpretações, convergências e
divergências (GADOTTI; STANGHERLIM, 2013, p. 20).
Esse modelo teórico e prático de educação, isto é, essa práxis educacional de conceitos
e propostas gestados nas lutas e na vida social concreta das comunidades, oferece alternativas
para a educação formal em seus diversos níveis e modalidades de ensino. Educação Popular
tem como ponto de partida a realidade social, tanto das comunidades locais quanto da sociedade
mundial. O objetivo é a construção de um projeto social a se desenvolver na localidade,
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 7
transformando a vida das pessoas por meio da contribuição da comunidade que buscará a
realização de suas concepções político-sociais críticas, em conexão com as conquistas culturais
e o desenvolvimento científico e intelectual gerado mundialmente. A cultura do indivíduo, e
também do espaço em que vive, pode ser considerada a essência da nação e o início à
estruturação da educação em prol do desenvolvimento da sociedade e de seus cidadãos.
Os princípios da educação popular ultrapassaram as fronteiras da alfabetização de
adultos e da educação básica e chegaram à educação superior, cenário este historicamente
voltado a reproduzir o
status quo
do poder econômico e intelectual, privando a massa de
alcançar conhecimento e formação mais elevada. Isso ocorreu porque os modelos tradicionais
de ensino chegaram ao esgotamento, carentes do olhar em favor do desenvolvimento e da
diversidade sociocultural.
Preservando-se das influências econômicas que tendem a ver o conhecimento como
mercadoria de usufruto pessoal e de competição entre corporações, os fundamentos freirianos
alicerçam os movimentos de reconstrução do ensino superior.
O Ensino Superior brasileiro e sua conexão neoliberal
Os contextos de desenvolvimento industrial-urbano na passagem do século XIX ao
século XX marcaram fortemente a constituição e o debate sobre a criação (ou não) de
instituições universitárias no país. O modelo universitário passou a fazer parte do cenário
institucional da educação brasileira, num processo de composição que atendia, inicialmente, ao
perfil das universidades de padrão europeu (os clássicos modelos humboldtiano e napoleônico),
aos quais se somou o norte-americano a partir da década de 1960 com a reforma universitária
dos militares.
Assim, se construiu o edifício institucional da educação superior no país que, na visão
de Del Vechio e Santos (2016), produziu uma configuração de organizações acadêmicas de tal
modo que as universidades públicas passaram a ter a exclusividade da excelência no ensino e a
inovação em pesquisa e a iniciativa privada (variados tipos) voltou-se ao ensino, com seus
diversos cursos, a fim de atender ao mercado e às massas.
Tal situação envolvendo a iniciativa privada na educação superior decorreu de um
amplo processo de expansão relacionado à onda mundial iniciada nos anos de 1960, processo
esse acompanhado de diversificação institucional e de privatização, com presença
gradativamente maior até se tornarem majoritárias no sistema. O resultado foi o encadeamento
image/svg+xml
Rev. @mbienteeducação
, São Paulo, v. 14, n. 00, e022002, 2022. e-ISSN: 1982-8632
DOI: https://doi.org/10.26843/ae.v15i00.1142 8
contemporâneo de mercantilização e financeirização. Isso porque as IES foram organizadas
como empresas mercantis e numa incidência cada vez mais forte da regulação internacional.
Ao lado da homogeneização econômica e cultural que se instalava pela força desses
processos globais, a sociedade brasileira tomava novos rumos políticos e sociais no sentido da
conquista e da garantia de direitos, o que incluía o debate sobre acesso, universalidade e
gratuidade do ensino público e, especificamente, da educação superior.
Esse nível de ensino, mais sensível às influências da globalização, começou a se
organizar nos moldes de gestão empresarial e seus gestores a atuar segundo padrões de
eficiência e eficácia, pouco se relacionando à heterogeneidade dos contextos de atuação
pedagógica e de gestão das políticas educativas nacionais. Tal modelo tende a desconsiderar as
diferenças estruturais e geográficas brasileiras, a diversidade cultural da nossa população e as
desigualdades sociais e econômicas presentes em nosso país. Menos ainda observam as
especificidades dos nossos sistemas de educação, tanto os do nível básico quanto superior.
Diante do sonho do jovem brasileiro de frequentar uma universidade que potencializou
demanda, somado aos novos desenhos das políticas governamentais e a forte influência das
instituições financeiras multilaterais (OMC, Banco Mundial e OCDE especialmente), fez com
que a universidade se tornasse espaço fértil de mercado. Os governos recuaram em suas
políticas de fomento direto permitindo a conjuntura que temos atualmente: universidades
públicas insuficientes, sendo estas destinadas à classe média e alta oriundas das boas escolas
particulares de educação básica; e as instituições privadas de ensino superior voltadas às classes
menos favorecidas, condenadas a elas por terem potencial de “concorrência intelectual”
diminuído, pois frequentaram as escolas públicas, cujos processos de ensino são questionados
pelos instrumentos de avaliação em larga escala como o PISA e a Prova Brasil.
Em meio aos conflitos de interesse dos mercados que secundarizam as necessidades dos
menos favorecidos, observamos um processo de crescimento dos movimentos sociais e de
pesquisadores da educação superior se contrapondo a esse modelo de gerenciamento
hegemônico da educação superior e à persistente situação de exclusão de contingentes
expressivos da população brasileira.
Na tentativa de mudança, sob o abrigo da nova Constituição Brasileira de 1988
(BRASIL, 1988), os movimentos sociais passaram à reivindicação constante de ações mais
decisivas do Estado em prol da inclusão de segmentos da população (egressos da escola básica
pública, minorias indígenas, afrodescendentes, assentados do campo, agricultores familiares,
atingidos por barragens, etc.) e de territórios do país até então desfavorecidos em relação ao